Na Bahia

Videorreportagem feita por Rodrigo Leitão em Salvador BA. Um panorama sobre a religião africana que influencia a maioria dos costumes na Bahia.

Entre os negros sudaneses chegados à Bahia, deve-se ressaltar a importância dos hauçás e dos yôrubás ou nagôs. Os primeiros, muçulmanos, eram numérica e intelectualmente superiores aos demais e sobre eles exerceram predomínio até meados do século XIX. Data daí a importância sempre crescente dos negros nagôs, que passaram a liderar intelectualmente e religiosamente a população negra da Cidade, tendo por companheiros os negros êwes ou jêjes, cuja mitologia e organização social se assemelham à dos seus vizinhos da Nigéria.

Uma característica da irradiação inicial dos candomblés neste estado é que , para mais de uma centena de candomblés na capital, havia talvez duas dezenas deles na zona da cana-de-açúcar e do fumo do Recôncavo e na zona de cacau, em torno de Ilhéus.

Nagôs
Influência nagô

Nina Rodrigues levantou um mapa das línguas africanas faladas na Bahia, no seu tempo. Apesar de incompleto, esse mapa é muito significativo, pois mostra que se falavam, então, o nagô, o jêje, o hauçá, o kanúri, o tapa, o grúnci (galinha), o txi, o gá, o mande (mandinga), o fulah e os dialetos bantos.

O candomblé incorpora, funde e resume as varias religiões do negro africano e sobrevivências religiosas dos indígenas brasileiros, com muita coisa do catolicismo popular e do espiritismo. (Edison Carneiro)

Por exemplo, o caráter hierático da dança ritual dos nagôs se modificou, no Brasil, pela sua aceitação por elementos angolenses e congueses, na Bahia. E, também, pela imitação do que se supunha fosse a dança ritual dos tupis – a cabeça baixa, o corpo curvado para a frente, grande e continua flexão dos joelhos e movimentos principais para fora do círculo.

Casa branca do Engenho velho
Casa branca do Engenho velho

O candomblé da Barroquinha deu, de uma forma ou de outra, nascimento a todos os demais e foi o primeiro a funcionar regularmente na Bahia. A sua data de sua fundação remonta, mais ou menos, a 1830. De origem kêtu-nagô, foi fundado por três negras da Costa da Mina, de quem se conhece apenas os nomes africanos: Adêtá (Iyá Dêtá), Iyá Kalá e Iyá Nassô. Batizado de Ilê Iyá Nassô (Casa de Mãe Nassô), o terreiro, hoje conhecido como Candomblé do Engenho Velho ou Terreiro da Casa Branca, deu origem aos três mais famosos terreiros kêtu-nagô da Bahia. Com a morte da Ialorixá Iyá Nassô, o comando do terreiro ficou com a filha de uma das três fundadoras, conhecida por Marcelina, que, por sua vez, tinha duas filhas, duas Maria Júlia: uma Conceição e a outra Figueiredo.

Com a morte de Marcelina, as duas passaram a disputar a chefia do terreiro. Venceu Maria Júlia Figueiredo, que já era Mãe Pequena do terreiro e desfrutava de grande prestígio junto aos freqüentadores. A outra Maria Júlia, porém, se afastou, arrendou um terreno no bairro do Rio Vermelho, e ali fundou, com os demais dissidentes, o Ilê Axé Omim Iyá Massê, atual candomblé do Gantois, que recebeu esse nome por causa do proprietário francês. Reza a lenda, que Maria Júlia Conceição levou consigo os axés do Engenho Velho, constituindo-se, portanto, no legítimo herdeiro do candomblé da Barroquinha. O Gantois prosperou e tornou-se internacionalmente conhecido na gestão de Mãe Pulquéria, filha de Maria Júlia Conceição e tia de Maria Escolástica Conceição Nazaré, Mãe Menininha do Gantois, a Ialorixá mais famosa da Bahia.

Mas, nessa mesma ocasião, o Ilê Iyá Nassô saiu da Barroquinha e mudou-se para o Caminho do Rio Vermelho e passou a ser conhecido como Terreiro do Engenho Velho ou da Casa Branca, ainda sob o comando de Maria Julia Figueiredo. Com a sua morte, Mãe Sussu (Ursulina) assumiu a direção. Uma nova disputa pelo comando do Ilê Iyá Nassô acontece com a morte de Mãe Sussu. O conflito gira em torno de Ti’Joaquim, um babalorixá baiano, radicado no Recife, e foi liderada por Aninha, que queria que ver o Ti’Joaquim no comando da casa. Prevaleceu, porém, o partido da ordem e quem assumiu o axé foi Tia Massi (Maximiana Maria da Conceição).

A ialorixá Eugênia Ana dos Santos, a famosa Aninha
A ialorixá Eugênia Ana dos Santos, a famosa Aninha.

Derrotados, a facção liderada por Aninha deixou o terreiro e fundou um candomblé independente, o Ilê Axé Opô Afonjá, sob a direção de Ti’Joaquim, que quando morreu, passou a liderança da casa para a própria Aninha (Eugênia Ana Santos) que o conduziu até 1938. Hoje o Opô Afonjá é comandado pela famosa mãe-de-santo Stella de Oxossi.

Mãe Olga de Alaketu, Ministro da Cultura Gilberto Gil e mãe Stella de Oxóssi em Salvador, Bahia
Mãe Olga de Alaketu, Ministro da Cultura Gilberto Gil e mãe Stella de Oxóssi em Salvador, Bahia

Outra figura de destaque entre os muitos lideres religiosos que exerciam papéis importantes nos candomblés da Bahia, nos anos de 1930, é o babalaô Martiniano.

Filho de escravos, Martiniano Eliseu do Bonfim, também conhecido como OjéL’adê, foi o grande precursor do retorno às raízes africanas e da busca de elementos capazes de fortificar as práticas religiosas dos negros ex-escravos. Considerado o último babalaô do Brasil.

Babálawó ou Iyánifá é o nome dado ao sacerdote do Orixá Orúnmilá-Ifá do Culto de Ifá, das culturas Jeje e Nagô.

Martiniano, o famoso babalaô
Martiniano, o famoso babalaô

Martiniano: “Todo mundo pensa que eu tenho muito dinheiro, mas desde que o Dr. Nina Rodrigues morreu, não tive mais um emprego regular”.

PESQUISADORES DE DESTAQUE NA CULTURA AFRO BAIANA

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Raimundo Nina Rodrigues (Vargem Grande, 4 de dezembro de 1862 — Paris, 17 de julho de 1906) foi um médico legista, psiquiatra, professor e antropólogo.

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Edison de Souza Carneiro (Salvador, 12 de agosto de 1912 — Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1972) foi um escritor brasileiro, especializado em temas afro-brasileiros.

ENTREVISTA DO JORNAL BAHIA ONLINE Com Ruy Póvoas, babalorixá do interior da Bahia

“Candomblé não é mais religião de negro, é religião de brasileiro”

Ruy Póvoas
Ruy Póvoas

Integrante da Academia de Letras de Ilhéus e Mestre em Letras Vernáculas, o professor Ruy do Carmo Póvoas, assumiu ainda criança sua afinidade pelas crenças candomblecistas. A partir desta descoberta o também escritor, dedicou sua vida a exaltar a africanidade e publicou livros como “A Linguagem do Candomblé”, “A fala dos Santos” e “Itan dos mais Velhos”.

Atualmente dirige o Terreiro Ilê Axé Iêjexá Orixá Olofun, localizado no Bairro Santa Inês em Itabuna, que fundou em 1975 em parceria com seu irmão e onde desempenha a função, com autoridade máxima, de Babalorixá.

Em entrevista exclusiva aos estudantes de Jornalismo Tayara Carvalho, Fábio Carvalho, Renan Júnior e Monique Ribeiro, Ruy abre as portas de seu terreiro para o Jornal Bahia Online e revela o fascínio pelas heranças africanas e pelo candomblé em particular. Confira.

Quando surgiu o seu interesse em particular pelo Candomblé?

Eu sou oriundo de uma família atípica. Meu pai era coronel do cacau, um homem rico, branco, de ascendência européia. E minha mãe era uma negra, mulher de terreiro e empregada doméstica. Minha formação foi dupla. Por parte de pai a formação era católica, inclusive a prática cotidiana de ir a Igreja rezar. E por parte de minha mãe era a frequência a terreiros. Foi na adolescência que eu me identifiquei com as práticas de terreiro e já me entendia como uma pessoa de terreiro.

Você encontrou muita resistência por parte de seus familiares?

Quanto ao preconceito, encontrei resistência dentro da minha própria casa, porque meu pai odiava as coisas do candomblé a tal ponto que quando decidi ir a Salvador estudar o científico, ele se recusou a custear a viagem, alegando que não gastaria seu dinheiro com uma pessoa que vive enfeitada de badulaques desses negros.

“Estudei, me formei, me pós-graduei e me tornei babalorixá. Juntei as duas coisas de meu pai e de minha mãe e elas estão harmonizadas muito bem dentro de mim”.

Poderia nos fazer uma estimativa de quantos terreiros de Candomblé existem hoje em Itabuna?

Nós estamos fazendo um estudo sobre os terreiros no sul da Bahia, em parceria com o Núcleo de Estudos Afro Baiano Regionais (CAUE) da UESC e, segundo o último levantamento existem, cerca de 80 terreiros no município.

O terreiro ILÊ AXÉ IEJEXÁ ORIXÁ OLOFUN, do qual o senhor é o babalorixá (pai de santo), é uma sociedade religiosa de culto afro-brasileiro. Quando foi fundado e quem foi o responsável pela fundação?

Este terreiro foi fundado em 05 de Setembro de 1975 por ordem de Oxalá, que é o patrono da casa. Foi ele quem determinou e eu e meu irmão Reinaldo cumprimos sua vontade criando o espaço para abrigar a herança de Inês Megigan, sacerdotiza da Oxun.

O que diferencia os terreiros de candomblé na Bahia?

A diferença é quanto à nação, origem. Por exemplo, este terreiro é originário da cultura nagô do povo Iêjexá, há terreiros nagô de origem ketu e há terreiros que não são nagô, são de origem angolana, outros de origem do Congo, a depender das nossas raízes.

Explique aos nossos leitores o significado de Origem Nagô e Nação Iejexá…

Nós somos originados, esse terreiro no caso, dos sudaneses, que abrangia a Nação Nagô, onde hoje está situada a Nigéria, território que antes era habitado por povos diferentes. A nossa etnia é Nagô e a nossa cidade de origem é Ilexá.

Qual o significado do terreiro para os adeptos da religião?

Território, confraria, grupo humano, espaço onde é possível praticar a vida sobre outro paradigma, senão o paradigma ocidental, uma outra interpretação do universo e da vida, nem melhor nem pior, outra.

“Terreiro… uma outra interpretação do universo e da vida, nem melhor nem pior, outra”.

O que leva uma pessoa a procurar um terreiro de candomblé?

Nós humanos somos construídos identitariamente através de nossa origem, família, nossa escola, a sociedade em que vivemos e nós procuramos nisso aí respostas para as nossas dúvidas, anseios, nossas dores, amores. Às vezes esses grupos aos quais pertencemos não nos dão respostas e aí o que fazer? Quando a medicina falha, a psicologia falha e a psiquiatria falha, você vai buscar resposta na religião. Aí os caminhos religiosos em nosso país são multifacetados, aí existe uma oferta de caminhos, o católico, o espírita, o terreiro de candomblé. Isso faz parte da complexidade humana, muitas pessoas são chamadas pela dor.

“Quando a medicina falha, a psicologia falha e a psiquiatria falha, você vai buscar resposta na religião”.

Qual a fonte de renda de um terreiro?

O terreiro é uma instituição religiosa, que no caso específico deste é abrigado por uma instituição civil chamada Associação Santa Cruz Iejexá, que é a mantenedora. Ela capta recursos para manter a casa.

Qual a política (ideologia) do Ilê Axé Iejexá?

Do ponto de vista das relações humanas ele é comunal, ninguém é dono de nada, o patrimônio é coletivo, a vivência é coletiva. As pessoas só têm em sua posse um prato, um caneco e uma esteira. O terreiro é mantido por todos da casa, cada um contribuindo na medida de suas possibilidades.

“Do ponto de vista das relações humanas o terreiro é comunal, ninguém é dono de nada, o patrimônio é coletivo”.

Quanto à organização do terreiro, existe alguma hierarquia que estabeleça classes e determine funções e atribuições específicas para pessoas específicas? Quem designa as funções? E no caso de haver hierarquia como ela se apresenta estruturada, existem cargos inferiores e superiores?

As funções de cada pessoa que participa do terreiro são designadas pelo orixá, bem como a hierarquia das atribuições. Não existem cargos superiores e inferiores. Mas, sim, cargos com mais responsabilidade que outros. Por exemplo, o cargo de babalorixá que é o pai de santo é o cargo que engloba tudo, toda a vida do terreiro, ele tem que supervisionar tudo, os rituais, a manutenção, a organização, a convivência entre as pessoas. Há cargos mais amplos, outros mais restritos.

Quais são essas classes? Elas estão associadas a algum tipo de poder?

As classes são em primeiro lugar o Babalorixá ou Ialorixá. Depois você tem o lugar temente, que seria ou pai pequeno e a mãe pequena. Posteriormente as Equedes, que cuidam dos paramentos, dos orixás quando incorporados; o Axogum, responsável pelo sacrifício e uma série de outros cargos a depender do número de recintos que o terreiro tenha construído.e existem cargos que nunca são ocupados porque o orixá  pode não ter encontrado a pessoa adequada para desempenhá-los.

Sabe-se que o candomblé é uma religião que foi trazida ao Brasil pelos escravos africanos e que nos tempos da escravidão era restrita as senzalas. Por isso acredita-se que os seus adeptos sejam ainda hoje em maioria, negros e pessoas de baixo poder aquisitivo. Esta afirmação em uma análise mais abrangente e posteriormente analisando esta “casa” em particular, pode ser ratificada?

Não ratifico porque hoje candomblé não é mais religião de negro, é religião de brasileiro. E aí você tem gene com cara de japonês, chinês, com cara de turco, com cara de índio. Quanto a condição financeira, tem-se a mais variada possível. Há pessoas super carentes e há pessoas abastadas.

“… Candomblé não é mais religião de negro, é religião de brasileiro”.

O preconceito para com os adeptos da religião ainda é uma realidade?

Sem dúvida. Uma realidade flagrante, triste, dolorosa. Profundamente encravada na alma do brasileiro. Nós temos uma cultura preconceituosa. Porém tudo isso é vivenciado com um jeitinho, que olhado de longe parece ser uma maravilha, no carnaval estamos todos nós unidos nas nossas diferenças. Na vida cotidiana estamos todos separados nas nossas igualdades.

“O preconceito é uma realidade profundamente encravada na alma do brasileiro. Nós temos uma cultura preconceituosa”.

VÍDEO:

Especial do Fanstástico sobre casa tradicional de Candomblé da Bahia, Ilê Axé Orisanalá d’Omin, Terreiro São Bento – Chegada de Ogum – Ogunhê


ARQUIVO SOBRE CANDOMBLÉ NA BAHIA

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